8 de setembro de 2012

O Mergulhador

Flávio decidiu que iria se matar.

Mas não foi só isso, assim, de repente. É que ele tinha câncer. Tinha câncer e quando descobriu já era tarde. Podia viver mais alguns meses, mas submetido a máquinas, no hospital. Decidiu que preferia morrer antes, mas viver mais.

Decidiu que iria se matar e então pôde pensar. A dor ainda não era suficiente para perturbar sua mente, e assim pensou. Pensou por uma semana, na qual fumou, bebeu e comeu à vontade. Também selecionou os últimos cinco livros que leria da prateleira dos livros comprados e não lidos.

Pensou sobre si e sobre o que amava. Pensou sobre si e sobre o que importava para si. Pensou sobre quem era e pensou sobre o que quem era fazia de si.

Respirou e pensou lentamente, mesmo estando de tempo corrido. Apenas pensou, sem querer se convencer.

Então decidiu como iria se matar. Iria mergulhar até o fundo do oceano, o mais fundo que pudesse, em alguma gigantesca região abissal. Iria descobrir o que havia lá. Mas seria a última coisa que faria. Não iria mais voltar. Iria morrer por lá, esmagado pelas profundezas.

Já sabia mergulhar. Não falou nada a ninguém. Se despediu.

Levou uma mala com suas roupas favoritas, suas roupas mais cheirosas e seus últimos cinco livros. Ficou em um hotel na praia enquanto providenciava os meios.

Alugou um barco com tripulação. Era navegador certificado. A jornada demoraria três dias.

Nesses três dias comeu peixe frito e leu seus últimos cinco livros. Dormiu ao sol, sentindo o cheiro da água salgada do mar. Se espreguiçou. Se acariciou. Sentiu um pouco de dor. E pensou nos que conhecia. E pensou nos que amava.

Finalmente aportaram. Quis deixar chegar as nove horas da manhã. Demorou muito. Foi como um ano. Como dois anos. Viu seus brinquedos de criança. Viu seus familiares idos. Viu seus cabelos brancos.

Se vestiu nos trajes ultra grossos de mergulhador. Levou com ele um rádio de longo-alcance e deixou avisada a tripulação para que gravasse cada segundo. Voltava logo. Era uma experiência.

Se pôs na água e se afundou devagar. Na verdade já estava metade lá. O azul de tudo, a luz turva, o silêncio ia se desdobrando e intensificando de uma forma inesperada e inimaginável. Não sabia que era possível aquele tipo de silêncio. Podia ouvir o sangue pulsando dentro de sua cabeça.

A luz também ia morrendo. Seu corpo tremia de frio. O barco apenas se adivinhava na distância desfiguradora. Já eram agora muitas horas e muitos quilômetros. Já não podia mais se salvar se mudasse de ideia. Não mudava.

Via apenas o reflexo do próprio rosto no visor de acrílico hermético, iluminado pela lanterna que apontava inutilmente para dentro de uma escuridão preta e infinita, na qual partículas brancas dançavam flutuando, a qual se parecia mais com o espaço sideral.

Sua mente já não era mais a mesma. Talvez o oxigênio. Talvez a pressão. Talvez o sangue. Talvez apenas o que vivia. O que percebia. Parecia perceber claridades no fundo. Não tinha certeza se era mesmo o fundo ou a superfície.

Do barco ouviam seus ruídos. Uma respiração regular, calma e controlada. A respiração de um mergulhador. E então alguns ruídos diferentes. Pareciam de algo que se chocava contra o microfone. Uns ruídos mais altos, até muito estranhos. Até que a conexão foi perdida.

6 comentários:

Anônimo disse...

#1/3 Queda

- Santiago, você viu o Luiz por aí?
- Não Barbosa, não está por aqui - responde após quase imperceptível pausa.
- Ele vai fazer besteira, preciso falar com urgência com meu irmão!
- Desculpa, não sei onde ele tá - e efusivamente desliga o rádio.
Luiz estava ali, afinal. Está certo que era apenas uma caricatura esquelética de seu amigo. Mesmo constrangido, Santiago não deixava de encarar os ossos salientes do rosto escanhoado de Luiz. Vestia o traje de mergulho com um cigarro na boca, expondo o restante do seu corpo. Costelas salientes, entre elas, estendida, pele retraída e amarelada. Barriga escavada, a qual, em alguns movimentos involuntários, acariciava com pesar. Parecia acariciar sua doença, sua companheira dos últimos 3 meses. Era triste assistir, mas irressistível.
Luiz se equipava com naturalidade. Quem tentava enganar desta foma? Acha que ninguém ali no barco suspeitava do seu plano? Mas o que fazer, também? Santiago tinha que respeitar aquele último desejo. Não ia mudar nada mesmo.

Anônimo disse...

#2/3 Ascenção

Foi um pequeno salto. Em um segundo que vibrou nos seus olhos encovados, viu o Sol e o céu, indiferentes.
Foi afundando. Vagarosamente. Seu coração batia mais forte, sentia o sangue pulsando em suas veias.
Imergia na escuridão e no silêncio.
Parecia que não sentia mais dor.
Muito tempo já se passava. Tudo tinha ficado para trás.
As batidas de seu coração aos poucos se distanciavam, cansadas. Então é assim...
Sua mente então se inundou de luz! Luz branca ofuscante que parecia vir de todo lugar. Sentiu como se uma garra puxasse seu braço direito, com força hercúlea, na direção da luz. Depois escuridão novamente.
Então é assim?
Do barco ouviram sua respiração ofegante substituída por ruídos violentos, como se algo se chocasse contra o microfone.
- Acharam ele! - gritou extasiado Santiago.

Anônimo disse...

#3/3 Deus ex machina

Já se passavam 3 semanas do dia em que Luiz fora resgatado pelo mini-submarino laranja. Recebera alta do hospital há 5 dias e até já tinha ganhado alguns quilos. Um quilo e meio, para ser sincero.
No dia do mergulho, Santiago falou novamente com Barbosa. As lâminas da biópsia tinha sido revisadas. Não era câncer! Apenas tuberculose.
O mergulhador estava a salvo, caminhando na praia.



Anônimo disse...

Adele is your friend now.

Anônimo disse...

Lololololololololol.. kkkkkkkkk. Dont forget to thank Jack Daniels! He's the genious behind this.. And he's from Tenessee. The Cowboy Way.

Anônimo disse...

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Final feliz surreal!!!!!!!!!!!!! Blog errado?? Que bom. Final feliz é bom e surreal.